A tarde cinzenta cai como um manto, à meia luz. Ele se aproxima da porta. Lentamente retira as chaves do bolso. Abre a fechadura, gira a maçaneta e entra em passos fúnebres. Suas mãos são frias, seu olhar é baixo e sua barba mal feita. É uma meia-barba. O cabelo despenteado apenas demonstra a não preocupação com a aparência dirigindo suas ações.
A casa é grande e vazia. Esta noite ele prefere não estar com grandes e admiráveis compositores clássicos. Já fazem alguns dias que ele não convida Bach para um chá, nem janta na companhia de Beethoven e Tchaikovsky. Hoje ele está só. Encontrar-se consigo o traz uma sensação de alívio e conflito. Mas a serenidade predomina e flui devido ao alívio de saber que não incomoda ninguém naquele momento. Como se a própria paz fosse a dos outros. Como se a paz dos outros fosse sua própria.
Ele olha para o pequeno som enquanto prepara um café, e pensa: "Não, nada de Engenheiros do Hawaii hoje, tô sem clima." Senta-se no sofá, com as luzes apagadas. No seu trono. Com apenas um gesto manual, ordena à TV que se ligue. A tecnologia obedece ao rei. O casual rei de si mesmo. Em alguns minutos, após passar por todos os canais freneticamente, o silêncio retorna. Um silêncio pesado, cheio de sons de motores, conversas e sirenes da rua.
É fatídico mas a solidão o agrada. O canto da sala prende sua atenção. Não são os retratos de família, lembranças ou coisas espantosas que travam seu olhar. Mas o canto empoeirado, e nele um violão seminovo, modelo folk dos anos 10. Aproxima-se e vê o quão complexo e bem feito é. E quão útil seria se alguém o tocasse. O verniz do instrumento ainda reflete alguma coisa. Vê-se no violão. Sem emitir som algum. Empoeirado e sozinho.
J.Caetano Jr.