Não dava pra dormir naquela
noite. Duas sensações circundavam a atmosfera. Uma alienação semelhante a
embriaguez que dissipa algumas preocupações hereditárias, e uma adrenalina que
intensificava o sentimento de dor. Dor de não se sabe o que. Dor que não se
entende o porquê. Dor de um tipo que não se define como dor.
As trevas eram vivas e assumiam
formas medonhas e demoníacas. Eram paredes que impediam o caminhar, eram
abismos plantados como armadilhas, eram fantasmas alados que se moviam na
velocidade do pensamento. Abocanhavam o que restava da pequena luz
sobrevivente, ostentada no antro de maldição. As trevas então, se faziam cordas
sólidas, amarrando e rasgando os membros de quem ansiava a liberdade.
Questionava se a liberdade havia
se esquecido de ser livre. Questionava-se. Questionava, lamentava, repensava,
recuava. Nem mesmo o fogo do inferno queimando aos seus pés o faria levantar
vôo com aquelas asas de aço. Asas de ferro quente cravadas nas costas.
Correntes com blocos de concreto amarrados aos pés. Uivos de lobo, cânticos de
fracasso à não liberdade. Cantaria silenciosamente um tributo ao próprio
funeral, se não fossem as trevas, que coladas nos lábios como um esparadrapo
dificultavam até a respiração.
Derrotado. Era assim que eu me
sentia. O tempo não parecia tempo, era somente um momento, algo tão indefinível
quanto o próprio tempo. Nada avançava, nem recuava. Somente a estagnação era
aparente.
De repente as trevas recuaram.
Como num impulso vivo, as trevas foram quebradas e feitas em partículas por uma
luz mais densa. As asas da vaidade continuavam a afundar-me. Eu não conseguia
me mover. Tentei fugir quando o vi, vindo em minha direção, mas não consegui
fugir. Ele também me atraia como um imã. Seus pés eram reluzentes e sua luz
esclarecia todo o entendimento. De sua boca, saía uma espada cortante de dois
gumes. Sua palavra penetrou meu ser, dividindo juntas e medulas, sob a pele,
senti como se seu olhar conhecesse todos os meus pensamentos. Só então percebi
que ele trazia em uma mão uma lista sem fim, uma cédula de condenação para
todos os meus pecados. E na outra mão um martelo simples com alguns cravos.
Pensei por certo que pregaria a
lista em mim, como uma sentença de execução. Passou por mim vitorioso, e
chegando ao lado de uma cruz, martelou com a força do universo. E tendo cravado
na cruz os escritos de dívida*, selou-os com sangue: “Está consumado”.
Seu olhar me inspirava a
levantar. As asas caíram. As trevas fugiam. O rei andava vitorioso, arrastando
pelas ruas os adversários. Triunfante. Tomando um rumo eterno ele exclamou com
voz de trovão que abalava toda a Terra: “Vem e me segue!”. Eu parecia renovado,
sentia uma força que poderia me fazer voar com asas de águias**. Então eu
acordei. Sorrindo. Grato. Preparado para lutar.
*Colossenses 2:14
**Isaias 40:31
J.Caetano Jr.
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