quarta-feira, 4 de julho de 2012

Diário de bordo#8: Respirar


Não dava pra dormir naquela noite. Duas sensações circundavam a atmosfera. Uma alienação semelhante a embriaguez que dissipa algumas preocupações hereditárias, e uma adrenalina que intensificava o sentimento de dor. Dor de não se sabe o que. Dor que não se entende o porquê. Dor de um tipo que não se define como dor.

As trevas eram vivas e assumiam formas medonhas e demoníacas. Eram paredes que impediam o caminhar, eram abismos plantados como armadilhas, eram fantasmas alados que se moviam na velocidade do pensamento. Abocanhavam o que restava da pequena luz sobrevivente, ostentada no antro de maldição. As trevas então, se faziam cordas sólidas, amarrando e rasgando os membros de quem ansiava a liberdade.

Questionava se a liberdade havia se esquecido de ser livre. Questionava-se. Questionava, lamentava, repensava, recuava. Nem mesmo o fogo do inferno queimando aos seus pés o faria levantar vôo com aquelas asas de aço. Asas de ferro quente cravadas nas costas. Correntes com blocos de concreto amarrados aos pés. Uivos de lobo, cânticos de fracasso à não liberdade. Cantaria silenciosamente um tributo ao próprio funeral, se não fossem as trevas, que coladas nos lábios como um esparadrapo dificultavam até a respiração.

Derrotado. Era assim que eu me sentia. O tempo não parecia tempo, era somente um momento, algo tão indefinível quanto o próprio tempo. Nada avançava, nem recuava. Somente a estagnação era aparente.

De repente as trevas recuaram. Como num impulso vivo, as trevas foram quebradas e feitas em partículas por uma luz mais densa. As asas da vaidade continuavam a afundar-me. Eu não conseguia me mover. Tentei fugir quando o vi, vindo em minha direção, mas não consegui fugir. Ele também me atraia como um imã. Seus pés eram reluzentes e sua luz esclarecia todo o entendimento. De sua boca, saía uma espada cortante de dois gumes. Sua palavra penetrou meu ser, dividindo juntas e medulas, sob a pele, senti como se seu olhar conhecesse todos os meus pensamentos. Só então percebi que ele trazia em uma mão uma lista sem fim, uma cédula de condenação para todos os meus pecados. E na outra mão um martelo simples com alguns cravos.

Pensei por certo que pregaria a lista em mim, como uma sentença de execução. Passou por mim vitorioso, e chegando ao lado de uma cruz, martelou com a força do universo. E tendo cravado na cruz os escritos de dívida*, selou-os com sangue: “Está consumado”.

Seu olhar me inspirava a levantar. As asas caíram. As trevas fugiam. O rei andava vitorioso, arrastando pelas ruas os adversários. Triunfante. Tomando um rumo eterno ele exclamou com voz de trovão que abalava toda a Terra: “Vem e me segue!”. Eu parecia renovado, sentia uma força que poderia me fazer voar com asas de águias**. Então eu acordei. Sorrindo. Grato. Preparado para lutar.

*Colossenses 2:14
**Isaias 40:31

J.Caetano Jr.

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